“Somos mais de 700 pessoas, cidadãs e cidadãos, urbanos e rurais, com diferenças identidades socioculturais, integrantes da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, vindos de todas as regiões brasileiras e de 15 países (…)”
Leia abaixo na Integra a Carta de Fortaleza formulada em conjunto no Solidários 2018.
CARTA DE FORTALEZA
ENCONTRO GLOBAL DE BANCOS SOLIDARIOS DE DESENVOLVIMENTO- SOLIDÁRIOS
04 a 06 de setembro de 2018 - Hotel Praia Centro
Somos mais de 700 pessoas, cidadãs e cidadãos urbanos e
rurais com diferentes identidades socioculturais integrados à Rede Brasileira de Bancos
Comunitários, juntamente com representantes da cooperação internacional e de
parceiros de outras redes, organizações/instituições e movimentos sociais vindos de todas as regiões brasileiras e de
15 países da América Latina, América do Norte, África, Ásia e Europa, reunidos
na Fábrica de Negócios, cidade de Fortaleza, Ceará, Nordeste do Brasil, entre
os dias 04 e 06 de setembro de 2018, durante o Encontro Global de Bancos
Solidários de Desenvolvimento.
Nosso encontro tem o intuito de congregar instituições
nacionais e internacionais para refletir, debater e expor para a sociedade
brasileira e demais países sobre a importância da Economia Solidária como
solução para o acesso à crédito colaborativo para inclusão social em
territórios de baixa renda. Além disso
dar visibilidade as diferentes resistências das comunidades, nas suas
diferentes expressões socioculturais e tecnológicas, ao propor alternativas ao
modelo de desenvolvimento excludente no Brasil e no mundo.
Tais experiências se justificam diante do atual cenário da
economia global marcado pelo alto grau de financeirização. Nessa perspectiva,
desloca-se o protagonismo na dinâmica econômica: da atividade produtiva para a
especulação financeira. O resultado é que passamos a viver na chamada “era do
capital improdutivo”, como nos foi evidenciado nos debates desse evento. Essa
constatação produz consequências tanto socioeconômicas quanto políticas. Do
ponto de vista socioeconômico, conhecemos no Brasil e no mundo o aumento da
desigualdade e da concentração de renda. Já no âmbito político, vimos nossa
democracia ser ameaça pelo poder das grandes corporações financeiras. As
agendas dos governos nacionais são pautadas e controladas pelos interesses do
grande capital financeiro e os cidadãos/ãs não encontram meios nem espaços
institucionais para exercer qualquer controle democrático.
Se a democracia é o meio de conter os efeitos devastadores
dessa racionalidade econômica assumida irracionalmente, é nela que estão
contidas as bases para organizar alternativas no campo das práticas econômicas.
Neste sentido, o tema da democracia econômica merece destaque na sua dupla
dimensão: de um lado, remete às formas de controle democrático dos efeitos
predatórios dos mercados (juros altos e abusivos, mecanismos contratuais
inadequados, falta de acesso aos serviços bancários, entre outras práticas
excludentes). Do outro, aponta o horizonte das práticas emergentes de
organização da economia com base em uma racionalidade que garanta o bem-estar
geral da sociedade nas diferentes dimensões. Esta outra racionalidade, na base
da formulação de uma outra economia, brota no seio da própria sociedade civil
ou do meio popular e comunitário, indicando formas inovadoras de gestão de recursos
econômicos, políticos, sociais, ambientais e culturais a partir de necessidades
reais das populações.
Dentre o conjunto das práticas baseadas nos princípios da
autogestão, cooperação, solidariedade da chamada Economia Solidária, destacamos
aquelas mais voltadas à gestão de recursos financeiros junto às populações
excluídas denominadas de finanças solidárias (bancos comunitários de
desenvolvimentos, bancas éticas, bancos comunales, moedas sociais, moedas
digitais e solidárias, fundos rotativos solidários, cooperativas de crédito
solidário e outras iniciativas em curso).
Essas práticas de democracia econômica buscam articular uma
agenda de acesso à renda ao mesmo tempo em que confronta um conjunto de
problemáticas socioculturais e ambientais que afetam diretamente a vida das
populações e territórios periféricos: racismo, violência, machismo, exclusão e
todo tipo de injustiça social, ambiental e política advindos de um sistema
colonialista, capitalista perverso e predador.
Como resposta a isso, as práticas de democracia econômica se
afirmam como uma agenda propositiva de intervenções inovadoras no campo
socioeconômico que se articula com uma agenda de acesso a direitos fundamentais
na luta contra todo tipo de desigualdades que anula a diversidade. Essa agenda reconhece o caráter multicultural
e interseccional das sociedades contemporâneas e defende o direito a
diversidade de lutas e expressões cidadãs. Dizemos não ao preconceito para
poder avançar na solidariedade. Afirmamos que é fundamental fazer valer a igualdade
de direitos entre homens e mulheres, respeitando e reconhecendo a pluralidade
de sexo, raça/etnia, classe social, religião, orientação sexual, gerações,
capacidades funcionais, pessoas em situação de vulnerabilidade, comunidades
nacionais e estrangeiras para a defesa dos seus direitos sociais, políticos e
econômicos.
Como expressão dessa agenda, durante os três dias do evento
foram realizadas 16 oficinas distribuídas nos 6 eixos temáticos Economia
Solidária; Finanças Solidárias; Democracia Econômica; Tecnologias para
construção de alternativas; Ecossistema de inovação social Investimentos para
geração e distribuição de riquezas nas periferias. As exposições apresentaram
as práticas de resistências com afirmações de alternativas para a sociedade nos
diferentes temas: Juventude, democracia e participação; Inovação em Políticas
Públicas para Economia Solidária; Territórios Solidários, Territórios
Criativos; Agroecologia; Bancos Comunitários, Bancos Comunales e Moedas
Sociais; Inovação e empreendedorismo periférico; Resistência das Redes; Os
Bancos podem ser éticos?; Economia Solidária e Finanças Solidárias: conceitos e
práticas; Novas Tecnologias para as Finanças Solidárias; Democracia Econômica
Transnacional (MIT-Colab); Explorando questões emergentes em regiões rurais e
urbanas, Desafios e Oportunidades de Crédito para Jovens Empreendedores Rurais;
Economia Feminista; Sustentabilidade Ambiental; Desigualdade, Pobreza e Mercado
de Trabalho no Contexto da América Latina;
Universidade e Sociedade na potencialização das práticas de democracia
econômica.
Além das oficinas, no espaço Hackathon E-dinheiro a Fintech
Solidária dos bancos comunitários do Brasil construíram propostas colaborativas
de ideias, funcionalidades e serviços para tornar o E-dinheiro o banco
comunitário digital e solidário do povo.
Vimos também diversas práticas de democracia econômica
acontecendo em diferentes localidades, como no exemplo das formas de gestão de
serviços financeiros através de bancos comunitários de desenvolvimento (BCDs),
que tem despertado atenção pelo seu caráter inovador na busca da resolução de
diferentes problemas relacionados ao desenvolvimento local.
O Encontro Global de Bancos Solidários de Desenvolvimento,
afirma que é urgente alicerçar a construção da democracia econômica no Brasil,
com as seguintes ações:
1. Garantir a
execução do Plano Nacional de Economia Solidária, que tem como um dos objetivos
centrais a organização, em âmbito nacional, de um Sistema de Finanças
Solidárias com regulação própria, garantindo ambiente institucional para seu
desenvolvimento e tendo como principal objetivo a dinamização das economias nos
territórios;
2. Estabelecer
políticas públicas de apoio e fomento às iniciativas de finanças solidárias,
garantindo assessoramento técnico, formação, gestão, comunicação e mobilização,
infraestrutura, desenvolvimento e acesso a tecnologias.
3. Avançar em um
marco legal que reconheça, aprimore e fortaleça as diferentes iniciativas de
finanças solidárias;
4. Criação de um
fundo nacional para as finanças solidárias;
5. Ampliação da
dotação orçamentária para as políticas públicas de economia solidária no PPA
(Plano Plurianual) e nas LOA (Lei Orçamentária Anual), com a possibilidade de
repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);
6. Fomento às
Tecnologias (plataformas digitais, meios de pagamentos eletrônicos) que
promovam independência do sistema tradicional e nos proporcione conhecimento,
autonomia e poder com princípios éticos e solidários, adaptabilidade,
metodologias colaborativas ágeis e uma estratégia de crescimento horizontal;
7. Exigimos o
fomento e o fortalecimento dos espaços coletivos de mulheres, contribuindo para
o protagonismo e autonomia/empoderamento feminino nas mais diferentes esferas
(política, econômica e social), com financiamento público para as mulheres,
levando em conta a diversidade de atuação nos mais diferentes segmentos da
sociedade, tendo clareza de que a economia feminista qualifica a economia
solidária;
8. Denunciamos o
extermínio de juventudes, principalmente dos jovens negros/as das periferias
urbanas, e solicitamos o desenvolvimento e fortalecimento de políticas públicas
que promovam o protagonismo juvenil, gerando condições no campo e na cidade
para que os/as jovens tenham acesso a linhas de financiamentos específicos nos
bancos públicos e nos instrumentos de finanças solidárias para que se tornem
agentes de mudança e transformação social, com oportunidades para desenvolver
suas plurais habilidades;
9. Pautamos um
outro modelo de desenvolvimento focado no modelo solidário e sustentável de
desenvolvimento socioeconômico com integração das redes – de produção,
comercialização, plataforma de comunicação, finanças solidárias e consumo
responsável que integre e fortaleça os empreendimentos solidários na educação
financeira, política e capacidade de gestão.
É papel do Estado fomentar as iniciativas econômicas no meio
rural e nas periferias urbanas que incluam milhões de trabalhadores/as
desempregados/as e sem oportunidades de inclusão e acesso a serviços básicos
para seu bem-estar social. Esse fomento de políticas públicas além de gerar
inclusão social por meio da geração de trabalho e renda, diminui as
desigualdades sociais criando um novo tecido social e econômico que favorece as
populações menos favorecidas historicamente e economicamente.
E para concluir, nós, mulheres e homens aqui reunidos
retornamos para nossos territórios e ao mesmo tempo permanecemos em conexão e
em forte sintonia com os debates, conversas e parcerias construídas aqui nestes
dias. Nos comprometendo com a pauta da democracia econômica em todos os lugares
onde os nossos pés e os nossos sonhos nos levarem, em especial, nos nossos
territórios, onde as lutas acontecem cotidianamente na prática, com mais ânimo
e com as nossas capacidades de resistências fortalecidas com essa demonstração
e afirmação pública.
Fortaleza, Ceará, 06 de setembro de 2018
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