REPORTAGEM ESPECIAL DO JORNAL AMAZÔNIA

MOEDA FORTE COM IDENTIDADE
Edição de 15/04/2012
Jornal Amazônia
Bancos comunitários conquistam credibilidade ao estimular o empreendedorismo na região em que atuam
Cleide Magalhães

Bancos comunitários conquistaram credibilidade ao trabalhar próximo da comunidade e apostar no fomento de negócios da população. Essas instituições existem no Brasil há 14 anos. Na região Norte do País, há três anos eles se expandem e hoje existem dez: Pará (5), Amazonas (3), Acre (1) e Rondônia (1). No Pará, o primeiro da região foi o Banco Comunitário Tupinambá, na praia da Baía do Sol, na ilha de Mosqueiro, onde a moeda social é o moqueio. Além dele, há o Banco Comunitário do Paar, em Ananindeua, tendo a moeda ananin; Banco Comunitário Mirim, em Igarapé-Miri, com moeda açaí; Banco Comunitário Paraíso, em Jacundá, moeda sabiá; e Banco Comunitário Aldeinha, com a moeda mutirão, em Gurupá.


Segundo Marivaldo do Vale, coordenador do Banco Comunitário Tupinambá, que realiza acompanhamento técnico nos bancos no Estado junto ao Instituto Capital Social da Amazônia, cada banco tem sua característica própria, que está relacionada ao local de atuação. O objetivo sempre é promover o desenvolvimento de territórios de baixa renda, por meio do fomento às redes locais de produção e consumo e no apoio às iniciativas de economia solidária em seus diversos âmbitos.

A criação do Banco Tupinambá partiu do interesse da própria comunidade da Baía do Sol, em 2009. A entidade atua por meio do Instituto Tupinambá, gestora formada por moradores da localidade. Para fazer com que a comunidade se desenvolva e melhore a qualidade de vida, o banco atua com empréstimo produtivo, em real; empréstimo de consumo, em moeda social; e correspondente bancário, feito em parceria com o Banco do Brasil, mas que a partir da Semana Santa ampliou seu leque de serviços e firmou também parceria com a Caixa Econômica Federal, que oferece pelo menos 25 operações à comunidade, entre eles, o Bolsa Família.

"Em toda transação feita no Banco Tupinambá, sobram alguns centavos. Quanto mais aumentam as operações, crescem a arrecadação e taxas de sustentabilidade do nosso banco, principalmente com os programas sociais, como o Bolsa Família, já que, além das famílias que residem na Baía do Sol, vamos atender toda a ilha de Mosqueiro, Sucurijuquara, Carananduba, Cajueiro e os ribeirinhos que moram na encosta da praia, que em vez de deixarem a canoa para se deslocar à vila de Mosqueiro, vão vir aqui", explicou Marivaldo.

A forte característica do Tupinambá é democratizar o crédito, fazer com que ele chegue às mãos de um empreendedor individual ou coletivo, que está no ramo há pelo menos seis meses, e que nunca teve acesso a empréstimo produtivo em um banco convencional. Os valores dos empréstimos para qualquer atividade no banco é de R$ 200,00 a R$ 5 mil. Recursos do próprio do banco, com taxas de juros ao mês de até 3%. Com a chegada da Caixa, o valor será até R$ 15 mil, com taxas que não chegam a 1%, atendendo à determinação da Caixa, por meio da linha do Projeto Crescer.

"Giro da moeda faz vendas se concentrarem"

Na Baía do Sol, compra, venda e troca de produtos podem ser em real ou moqueio, já que ambos têm o mesmo valor. O moqueio são notas em papel com imagens da ilha que variam de R$ 0,50 a R$ 10,00. Para circular, é feito seu lastro social em real no próprio banco, onde qualquer pessoa pode trocar. Novas notas são elaboradas este ano com imagens somente da Baía do Sol, mas as outras continuam valendo.

"O giro da moeda faz com que as vendas se concentrem e, no último estágio, o dinheiro volte para o banco, só podendo ser trocado por real o empreendedor cadastrado", explica Marivaldo do Vale, o coordenador do Banco Tupinambá.

A transação com a moeda é uma prática comum em 97 estabelecimentos credenciados pelo banco e identificados por meio de placas que informam "Aceitamos moqueio". Luciano Lima é empreendedor no ramo de armarinho e variedades na Baía do Sol há 16 anos e fala que há nos seus negócios movimentação mensal de cerca de 100 moqueios. "Aqui a circulação é constante e incentivo os clientes a usar a moeda local. Utilizo o moqueio em câmbio interno e faço pagamento de faturas de luz, água e telefone". Ele explica que o moqueio fomenta a economia local "e vejo que a partir do momento em que as pessoas têm o que precisam no mercado interno faz movimentar a moeda e não existe tanto motivo para se deslocar, economizando em transporte".

Segundo Luciano, com passar do tempo, a população vai ter mais confiança e a circulação será maior chegando ao equilíbrio tanto para quem chega na ilha quanto para quem mora lá. Luciano se tornou empreendedor individual há um ano por meio da parceria do Banco Tupinambá com o do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Pará.
Boa capacidade de gestão é fator essencial para iniciativa dar certo
Na opinião de Eduardo Costa, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará e conselheiro federal, o controle social, isto é, a participação da sociedade nas ações dos bancos comunitários é um dos segredos para que a experiência obtenha sucesso no fortalecimento da economia local, gerando emprego e renda e permitindo a circulação da riqueza.

"Para que os bancos comunitários deem certo é fundamental ainda a boa capacidade de gestão, transparência nas ações estabelecidas na base dos laços de confiança junto à comunidade e a participação social para estimular as compras e vendas na moeda solidária. Mais importante que sua expansão é a aplicação dos recursos em locais onde a economia precisa ser fortalecida como o cooperativismo e associativismo", observa o economista.
A modalidade de Empreendedor Individual foi instituída pela Lei Complementar 128, de 19 de dezembro de 2008, e foi permitida em fevereiro de 2010 para todo o Brasil. Para isso, basta faturar até R$ 60 mil por ano, não ter participação em outra empresa como sócio ou titular e ter um empregado contratado.

Empresário aceita real, mas Moqueio é o dinheiro preferido

Ronaldo Lúcio tem uma loja em que vende acessórios para bicicletas. Ele conta que recebe em real, claro, mas prefere negociar em moqueio. "Aceitamos real e moqueio, mas prefiro o moqueio porque segura a renda na nossa comunidade. Quando comecei, há três anos, era em um ponto alugado, com pequenas ferramentas improvisadas e não tinha ideia como gerenciar".

Ele conta que, com a chegada do Banco Tupinambá, já fez cinco empréstimos e recebeu orientações do Sebrae. "Com isso, os negócios cresceram e hoje conto com margem de lucro mensal de 30%; me sinto seguro, garanto credibilidade dos serviços aos clientes, consegui aumentar a demanda de serviços, contratei dois moradores da própria localidade para trabalhar na loja. Hoje, temos pelo menos 30 itens de bicicleta e bastante trabalho. Quero ampliar os serviços para atender a carros leves e pesados e motos; quero ter uma oficina completa", planeja o empreendedor, que faz parte do Fórum do Empreendedores do Banco Tupinambá.
O Fórum dos Empreendedores dá o tom político ao banco. É aberto à comunidade e se reúne todos os meses para discutir sobre o banco, além de fazer prestação de contas. Outro instrumento de controle social do banco é o Comitê de Aprovação de Crédito Produtivo e de Consumo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário