O LIBERAL
Belém, Quinta-Feira, 28 de Fevereiro de 2013
Em Mosqueiro surgiu a primeira instituição financeira do gênero na região Norte.
Da Redação
A história do Banco Comunitário Tupinambá, na Baía do Sol, na Ilha de Mosqueiro, começou em 2009. Mas o grande reconhecimento veio no final do ano passado, quando a consultora de vendas de cosméticos, Maria Ivoneide do Vale, 46 anos, uma das idealizadoras do projeto, esteve em São Paulo para receber três importantes premiações: a seleção para o Programa Acolher, da Natura; o primeiro lugar na categoria Consultora Inspiradora Natura, no Prêmio
Cláudia 2012, publicação da Editora Abril, e o segundo lugar no Prêmio Aliança de Empreendedorismo Comunitário, da Organização Não Governamental Aliança Empreendedora, de apoio ao empreendedorismo no Brasil.
“As premiações são um reconhecimento pelo trabalho e serviço prestado à comunidade da Baía do Sol”, festeja Ivoneide, que com o aporte financeiro oferecido pela empresa de cosméticos pretende ampliar as transações do banco e sonha em reproduzir a experiência em outras três comunidades da Ilha. “Nosso objetivo é que, até o final do ano, tenhamos banco comunitário nos bairros do Carananduba, Maracajá e Aeroporto”.
O banco comunitário da Baía do Sol foi a primeira experiência desse tipo na Região Norte do Brasil. Nasceu da experiência que Ivoneide e o marido, o professor Marivaldo Vale, trouxeram de Fortaleza (CE), onde participaram da criação do Banco Palmas, o primeiro banco comunitário brasileiro e responsável pela transformação da favela do Conjunto Palmeira em um bairro popular de grande vigor econômico.
“Nós percebíamos que um dos entraves para o desenvolvimento econômico da Baía do Sol era que as pessoas saíam para receber salários e benefícios fora da comunidade, na Vila, e com isso acabavam gastando o dinheiro por lá mesmo”, contou.
Com a criação do Banco Tupinambá, em janeiro de 2009, uma das providências foi tornar-se correspondente bancário, primeiramente do Banco do Brasil e atualmente da Caixa Econômica Federal.
Medida importante para criar na população do bairro o hábito de comprar na própria comunidade. O que é fundamental para a circulação do “Moqueio”, a moeda social do Banco Tupinambá, aceita exclusivamente na Baía do Sol.
Com um lastro de 5 mil Moqueios – o equivalente a R$ 5 mil, já que a moeda social é indexada ao Real – o Banco Tupinambá opera da seguinte forma: oferece empréstimos em Moqueios aos clientes cadastrados, que podem pagar por mercadorias e serviços em um dos 97 estabelecimentos comerciais parceiros da iniciativa dentro da Baía do Sol. Depois os comerciantes podem fazer o câmbio das moedas no próprio banco comunitário ou mantê-la em circulação, passando como troco para outros consumidores.
A segunda opção é a ideal para o fortalecimento da moeda social e para a implantação concreta da economia solidária. “Infelizmente algumas pessoas ainda têm resistência em aceitar o Moqueio como troco, principalmente aqueles que não emprestam a moeda junto ao banco. Divulgar as vantagens da moeda social e estimular os comerciantes a oferecerem descontos nas compras com Moqueio são alguns dos objetivos que pretendemos alcançar com as campanhas que vamos lançar a partir do recurso ofertado pelo Programa Acolher”.
A seleção para o programa rendeu um aporte de R$ 15 mil ao projeto. Desse montante, R$ 5 mil destinado ao aumento do lastro – que passa a ser de R$ 10 mil – e o restante será usado em divulgação, cursos, oficinas, palestras e programas de fortalecimento da iniciativa, como o Projeto Ceci, voltado para mulheres beneficiadas pelo Programa Bolsa Família, do Governo Federal. “Queremos descobrir nessas mulheres o perfil de empreendedoras e estimular a criação de alternativas para a fonte de renda, sem a dependência exclusiva do programa, como existe hoje”.
Iniciativa revitalizou comércio local e estimulou empreendedorismo
Quando o Banco Comunitário Tupinambá foi inaugurado, na Baía do Sol, uma pesquisa feita pelos coordenadores do projeto revelou que só 2% da população do bairro fazia compras nos estabelecimentos locais. Hoje, quatro anos depois, esse número saltou para 70%. E o resultado pode ser conferido na expansão de muitos comércios. Como o negócio da família Santos, que era uma panificadora e depois virou também mercearia e, em seguida, passou a contar com um açougue anexo. Crescimento que trouxe geração de emprego para o bairro.
O casal Santos precisou contratar e hoje já conta com quatro funcionários. “O banco nos ajudou de duas maneiras, primeiro fortalecendo o comercio no bairro, o que aumentou nossas vendas e possibilitou que a gente pensasse em expandir o negócio.
Depois, facilitando a obtenção de crédito”, diz a comerciante Jane Santos, que recebeu ajuda do banco para financiar a ampliação de seu comércio mesmo com restrição de crédito.
Para atender os empreendedores do bairro o banco comunitário atua de duas maneiras: operando uma carteira de mandato da Caixa – ou seja, apenas intermediando a negociação – ou através de sua própria carteira, que hoje soma cerca de R$ 20 mil.
Essa opção permite o empréstimo mesmo aos empreendedores com restrições junto a instituições como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e Serasa. “Mas é importante ressaltar que não emprestamos para pagar dívidas, isso fugiria da função social do banco. O dinheiro deve ser investido em um negócio que vai gerar renda para aquele empreendedor e assim ele vai poder regularizar sua situação”, explica Ivoneide. Ou seja, o crédito é também de confiança e foi tão bem assimilado pela população que hoje a inadimplência é de apenas 1%. Os juros mais baixos, de apenas 0,64%, também favorece a contratação do crédito.
Para a aposentada Priscila Corrêa, 63 anos, honrar o compromisso com o banco é imprescindível. “O banco comunitário ajuda muito a gente, não podemos correr o risco de ficar sem ele, por isso a primeira coisa que faço quando recebo é ir até o Tupinambá e pagar o que peguei emprestado”, conta.
Para a população mais carente a dinâmica do banco é diferente. Clientes como Dona Priscila
recorrem ao Tupinambá em uma emergência, quando falta o gás ou o dinheiro para o supermercado, por exemplo. “Antes usava o cartão de crédito ou comprova na caderneta, mas na hora de pagar dava uma diferença de R$ 20, R$ 30”, lembra. Com o Moqueio, quando empresta 100 o cliente paga 101 Moqueios. O que permite uma economia que parece pequena, mas pode fazer a diferença na vida de pessoas como Dona Priscila. “Depois que passei a usar o Moqueio consegui guardar dinheiro e realizei o sonho de colocar piso na minha
casa”. Por insistência dela, a loja de material de construção do bairro passou a aceitar a moeda social que a aposentada utilizou para comprar argamassa.
“A lajota eu comprei na Vila, com o que consegui economizar usando o Moqueio. Mas só porque não vende aqui” É assim, estimulando o consumo dentro do próprio bairro, que o banco contribui para o fortalecimento do comércio local, que gera empregos para a população, que por sua vez passa a consumir mais. O banco comunitário cria um círculo de economia solidária na Baía do Sol.
“Como emprestamos em moeda social, o consumo é feito no próprio local, fortalecendo o comércio que faz a moeda circular na comunidade e, consequentemente, o desenvolvimento”, explica Ivoneide. O bairro, que antes tinha apenas uma, agora tem três padarias, ganhou uma loja de móveis e três açougues. Agora em março, com os recursos do Programa Acolher, o Instituto Tupinambá, que administra a instituição, promove uma série de campanhas, palestras e oficinas com o objetivo de fortalecer a moeda social. Uma das estratégias é convencer os comerciantes a oferecerem descontos para o consumidor que pagar com o Moqueio. “Ainda temos muitos desafios, não é fácil convencer as pessoas a mudarem, quem já utiliza a moeda sabe dos benefícios, mas queremos que os outros também compartilhem, descubram que não é apenas um papel. Quanto mais pessoas utilizando, quanto mais a moeda circular, melhor para o desenvolvimento da comunidade”.
Reportagem Original Retirada do Jornal - O Liberal
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